Energia Eólica: O que é? Onde o Brasil lidera e como funciona
Como a energia dos ventos virou pilar da matriz elétrica brasileira, por que o Nordeste é protagonista e o que falta para avançar ainda mais

No Nordeste, o vento que antes só moldava dunas hoje move turbinas que abastecem milhões de brasileiros. Em apenas uma década, a eólica saltou de 1% para 13% da matriz elétrica nacional, uma verdadeira revolução energética.
O avanço foi rápido, mas trouxe gargalos. Parques geram energia que não chega aos consumidores. Turbinas ficam paradas por falta de transmissão. Na madrugada, os preços despencam. Sem resolver esses desafios, o Brasil corre o risco de desperdiçar a chance de ter energia limpa e barata 24 horas por dia.
Antes de entender o futuro, é preciso voltar ao início: como o vento se transforma em eletricidade?
Mas afinal, o que é energia eólica e como é gerada?
A energia eólica transforma o movimento do ar em eletricidade através de um processo elegante de conversão. Quando o vento atinge as pás do aerogerador (estruturas que podem ter até 120 metros de comprimento) ele cria forças aerodinâmicas que fazem o rotor girar.
O processo envolve cinco etapas principais:

As pás eólicas permitem extrair até 45% da energia do vento (o limite teórico máximo é de 59%, conhecido como limite de Betz), mas requer ventos entre 3-25 m/s. Abaixo disso não gira, acima precisa frear por segurança, impactando diretamente quanto você paga pela energia em diferentes horários.
Quanto de energia pode ser gerada por eólicas?
No Brasil, a geração eólica depende de fatores que vão do vento às torres, das turbinas à rede elétrica. No Nordeste, onde o potencial é imenso, entender esses drivers é essencial para prever a produtividade de um parque e garantir energia limpa de forma confiável.
Fatores principais:
- Vento constante: quanto mais forte e regular, melhor. No Nordeste, ventos médios acima de 8 m/s tornam a região uma das mais produtivas do mundo.
- Altura da torre: quanto mais altas, mais estáveis e fortes são as correntes de ar, o que aumenta a geração.
- Tecnologia da turbina: modelos mais modernos funcionam com mais eficiência e reduzem perdas dentro do parque.
- Fator de capacidade regional: no Brasil, especialmente no Nordeste, os parques chegam a produzir o dobro da média mundial.
- Transmissão: sem linhas de escoamento suficientes, parte da energia gerada se perde o que é um problema frequente em horários de vento forte e pouca demanda.
Cada melhoria nesses fatores faz diferença. Mais eficiência significa energia mais barata e confiável para o consumidor.
Com esses fatores mapeados, surge a questão: como diferentes tipos de projetos eólicos atendem necessidades distintas do sistema?
Quais são os principais tipos de projetos eólicos?
No Brasil, a energia eólica se desdobra em três formatos principais, cada um com características próprias de custo, potencial e aplicação:
- Onshore (em terra): é o modelo mais comum, responsável pela imensa maioria da capacidade instalada no país. Hoje concentra-se sobretudo no Nordeste, onde os ventos são fortes e constantes, e já consegue competir em custo com a energia hidrelétrica.
- Offshore (no mar): ainda em fase inicial no Brasil, mas com enorme potencial. Os ventos em alto-mar são mais fortes e estáveis, o que aumenta muito a produtividade. O investimento inicial é mais alto, mas pode se tornar a próxima grande fronteira de expansão.
- Micro e minieólica: turbinas de menor porte, usadas em locais isolados, como áreas rurais e estações de telecomunicações. É um mercado de nicho, mas importante para atender regiões fora do alcance da rede elétrica.
Diversificar é estratégico. O onshore já oferece energia barata, os parques híbridos com solar ajudam a evitar desperdício de transmissão, e o offshore pode abrir caminho para expansão em larga escala sem disputar espaço em terra.
Eólica é renovável? Ela tem algum impacto ambiental?
A energia eólica é indiscutivelmente renovável: o vento é um recurso infinito movido pelo sol. Mas "limpa" não significa "sem impacto". Vamos as nuances.
Pegada de carbono ao longo da vida
Ao longo de todo o seu ciclo de vida, uma turbina eólica emite muito pouco carbono: cerca de 11–15 gCO₂ (gramas de gás carbônico) por kWh gerado. Para comparar, a energia solar fica em torno de 45 gramas gerado, enquanto o gás natural e o carvão passam de 400 e 800 gramas, respectivamente.
A maior parte das emissões (80%) vem da fabricação das turbinas, como aço, concreto, fibra de vidro e terras raras dos ímãs. Uma turbina "paga" sua pegada de carbono em 3-6 meses de operação.
Impactos na fauna
As turbinas podem afetar aves e morcegos, mas em escala bem menor do que muitas vezes se imagina.
- Aves: estudos brasileiros publicados geralmente indicam mortalidade inferior a 1 ave por turbina ao ano, valor bem mais baixo que em países cortados por rotas migratórias intensas.
- Morcegos: são mais suscetíveis, já que sua ecolocalização não detecta bem as pás em movimento. Em muitos contextos, a mortalidade de morcegos é maior que a de aves, variando conforme região e época do ano.
Já existem soluções eficazes, como radares para detectar aproximações, redução da velocidade em épocas críticas de migração e até a pintura de uma das pás de preto, que pode diminuir colisões.
Impactos humanos
As turbinas também geram efeitos percebidos pelas comunidades vizinhas, mas em geral dentro de limites controlados.
- Ruído: a 300 metros, fica em torno de 40–45 dB, equivalente a uma biblioteca. As regras locais e boas práticas costumam exigir recuos da ordem de 300–500 m.
- Sombra intermitente (shadow flicker): pode causar desconforto quando o sol passa pelas pás, mas softwares já ajudam a prever e evitar situações críticas.
- Paisagem: é um impacto subjetivo, mais sensível em áreas turísticas. Em alguns países, moradores recebem compensação visual.
Uso do território
Apesar da escala dos parques, a ocupação direta do solo é pequena: apenas 1–2% da área é destinada a fundações e acessos, enquanto o restante segue disponível para agricultura ou pecuária. Para os proprietários rurais, o arrendamento representa uma renda extra, que pode variar bastante: de cerca de R$ 15–20 mil a mais de R$ 50 mil por turbina ao ano, dependendo do contrato e da produção.
Reciclagem (o próximo desafio):
A maior parte da turbina já é reciclável: 85–90% dos materiais, como aço, cobre e concreto podem ser reaproveitados. O grande desafio ainda são as pás, feitas de fibra de vidro ou carbono, que frequentemente acabam em aterros ou incineradas.
Para enfrentar isso, fabricantes estão testando novos compósitos e resinas termoplásticas 100% recicláveis, que podem tornar a cadeia mais circular nos próximos anos.
Os impactos existem, mas são em grande parte gerenciáveis. Do ponto de vista climático, cada GWh gerado por eólicas evita cerca de 400–500 toneladas de CO₂ em comparação ao gás natural. Para o consumidor, isso significa energia com uma pegada até 40 vezes menor do que a de fontes fósseis desde que os projetos sejam desenvolvidos de forma responsável, garantindo a chamada “licença social para operar”.
Como se tornou relevante no Brasil?
A história da eólica no Brasil combina recurso de classe mundial no Nordeste, janela certa de queda de custos e um desenho de mercado que deu previsibilidade aos investidores.

Ou seja, o Brasil não apostou na eólica apenas porque tem vento. O crescimento veio da soma de três fatores:
- Necessidade de diversificação após o racionamento de 2001.
- Janela de custos globais em queda, tornando a fonte competitiva.
- Desenho institucional com contratos longos, financiamento barato e política de conteúdo local.
Onde a energia eólica é mais usada no Brasil?
O mapa mostra como a eólica é uma fonte fortemente concentrada no Nordeste, com cerca de 92% da capacidade instalada do país localizada na região.
O Nordeste tem um talento natural para o vento: os ventos alísios que sopram do Atlântico encontram uma geografia aberta e plana, sem grandes barreiras naturais, criando rajadas constantes e intensas. É como se a região fosse um enorme corredor de vento.

Se ela é tão boa, por que desacelera ou “desperdiça” energia?

Os gráficos acima ajudam a entender o paradoxo. A curva verde mostra que a geração eólica atinge picos de madrugada, justamente quando a carga é mais baixa. Durante o dia, a eólica cai, mas é nesse período que a solar (em amarelo) assume, cobrindo as horas de maior consumo. O resultado é uma complementaridade natural entre as duas fontes.
O problema é que o Nordeste produz mais do que consegue escoar. Sem linhas de transmissão suficientes, o operador é obrigado a cortar parte da geração, o chamado curtailment, que em alguns momentos chega a 5–20% do total disponível.
Dessa forma, sem infraestrutura adequada e mecanismos de flexibilidade, um MWh barato se transforma em um MWh perdido, prejudicando tanto o retorno do investidor quanto o ganho potencial para o consumidor.
A questão, portanto, não é se o vento sopra, mas como destravar valor e dar estabilidade ao sistema?
E agora, qual é o próximo passo?
Se o vento sopra na hora errada ou sem rede para escoar, a solução não é frear turbinas, mas extrair mais valor do mesmo recurso.
Uma primeira frente é usar melhor a infraestrutura existente. Projetos híbridos de eólica com solar compartilham a mesma conexão e reduzem cortes de geração, equilibrando o perfil horário.
A segunda frente é criar flexibilidade no sistema. Armazenamento em baterias já permite guardar excedentes noturnos e entregá-los no pico da demanda, além de prestar serviços ancilares. Modelos de contratação mais modernos, como PPAs com flexibilidade horária e produtos de capacidade, começam a remunerar quem ajuda a estabilizar a rede.
Por fim, há o papel do consumo inteligente. Tarifas diferenciadas, resposta da demanda e até o carregamento noturno de veículos elétricos podem absorver a geração abundante nos períodos de vento.
Juntos, esses movimentos permitem transformar MWh que hoje são cortados em MWh úteis, estabilizando preços e acelerando a transição.
A questão é quais dessas soluções ganharão escala no horizonte de 5 a 10 anos e como o Brasil pode liderar essa próxima fase.
O que podemos esperar para o futuro?
Nos próximos 5 a 10 anos, o desafio deixa de ser apenas instalar turbinas e passa a ser integrar a eólica como pilar estrutural do sistema elétrico.
No mar, o offshore já tem marco regulatório definido e projetos em licenciamento. Os primeiros pilotos devem entrar em operação antes de 2030, preparando a base para uma nova fronteira de expansão. Em terra, a transmissão ganhará corredores adicionais ligando o Nordeste ao Sudeste e Centro-Oeste, aliviando o curtailment e permitindo escoar mais renovável.
No mercado, a ampliação do ambiente livre para baixa tensão deve acelerar a assinatura de PPAs corporativos “verdes”, aproximando empresas e consumidores da transição energética. E na operação do sistema, veremos uma integração mais sofisticada: hidrelétricas atuando como “baterias verdes” para acomodar a variabilidade de vento e sol, enquanto o armazenamento em baterias adiciona flexibilidade onde ela mais faz falta.
A eólica deixa de ser apenas fornecedora de energia barata e passa a oferecer também segurança, flexibilidade e serviços de sistema, consolidando-se como um dos pilares competitivos da matriz brasileira.
Perguntas frequentes (FAQ)
Depende da região. No Nordeste, o vento é mais forte à noite e no 2º semestre, garantindo alta produção mesmo em períodos de calor.
Os números no Brasil são baixos, em média, menos de 1 ave por turbina ao ano, e podem ser reduzidos com medidas de monitoramento e localização adequada dos parques.
Sim. Como os perfis são complementares sol de dia, vento mais forte à noite, os parques híbridos compartilham a mesma conexão elétrica e reduzem desperdício de energia.
Sim, especialmente em locais com excesso de geração cortada (curtailment) ou onde prestam serviços de rede. A queda de custos vem ampliando rapidamente o número de projetos viáveis.
O marco regulatório já existe e diversos projetos estão em licenciamento no IBAMA. A expectativa é de que os primeiros pilotos entrem em operação antes de 2030.
Porque os ventos ali são constantes, fortes e pouco sazonais. Além disso, os primeiros leilões priorizaram regiões com melhor fator de capacidade, o que atraiu também a indústria para o Nordeste.
Em 2024, a fonte já respondia por cerca de 15% da geração nacional, com mais de 25 GW de capacidade instalada.
Sim. Ao longo de sua vida útil, emite apenas 11–15 gCO₂/kWh, contra ~490 g do gás natural e ~820 g do carvão. O maior impacto está na fabricação das turbinas.
Gera, principalmente na instalação e na cadeia de suprimentos. Hoje, fábricas de pás, torres e nacelles estão concentradas no Nordeste e Sudeste.
As turbinas param de gerar. Por isso, a eólica precisa ser integrada a outras fontes — como hidrelétricas, solar e baterias para garantir estabilidade ao sistema.
Não. Apenas 1–2% da área é usada para fundações e acessos. O restante segue disponível para agricultura ou pecuária.
Sim. O arrendamento rende em média de R$ 15 a 30 mil por turbina ao ano, com grande variação conforme contrato e produção.
Referências
- EPE — Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2024 —
- ANEEL — SIGEL / Banco de Informações de Geração — Potência instalada por UF (MW)
- Photo by Ludovico Ceroseis on Unsplash