Energia hidrelétrica: O que é ? Por que domina 60% da energia elétrica brasileira e para onde vamos agora?
Como funcionam as hidrelétricas que geram 60% da eletricidade nacional, enfrentam desafios ambientais e influenciam preços e sustentabilidade da sua energia diária

Em um país que gera 60% da eletricidade a partir da água, as hidrelétricas não são apenas uma fonte: são a base de uma economia que depende de energia barata e limpa. Mas a mudança climática e o avanço das renováveis já desafiam essa hegemonia. O futuro da energia brasileira depende de como vamos equilibrar tradição e inovação — e esse equilíbrio afeta diretamente a conta de luz do consumidor.
Para entender como chegamos até aqui, é preciso voltar ao princípio: o funcionamento da própria energia hidrelétrica.
Mas afinal o que é energia hidrelétrica e como é gerada?
Como a energia é gerada?

A energia hidrelétrica é gerada através do aproveitamento da força da água em movimento.
As turbinas são movidas pela água que cai de uma altura considerável, transformando energia potencial em energia mecânica, que por sua vez é convertida em energia elétrica através de geradores.
Esse processo permite produzir eletricidade em larga escala a custos relativamente baixos, sobretudo em regiões com abundância de água. Porém, sua viabilidade depende de condições geográficas específicas, cada vez mais raras próximas aos grandes centros, o que pressiona decisões sobre novas instalações e expansões.
Quanto de energia pode ser gerado por hidrelétricas?
A capacidade de geração depende de diversos fatores:
- Volume de água disponível: Quanto maior o fluxo de água que passa pelas turbinas, maior a quantidade de energia que pode ser gerada de forma contínua.
- Altura da queda d’água: A diferença de nível entre o reservatório e a turbina define a energia potencial disponível. Quedas mais altas permitem gerar mais energia com o mesmo volume de água.
- Capacidade das turbinas instaladas: As turbinas e geradores têm um limite máximo de conversão. Mesmo com muita água, se a potência instalada for pequena, a usina não consegue aproveitar todo o potencial.
- Tamanho do reservatório: Reservatórios grandes permitem armazenar água nas épocas de cheia e usá-la em períodos secos, garantindo energia firme e regularidade ao longo do ano.
- Regime de chuvas da região: A variabilidade climática afeta diretamente a produção. Em anos úmidos, as hidrelétricas funcionam próximas ao máximo da sua capacidade; em anos de seca, a geração cai e o sistema depende de fontes alternativas. Em anos de El Niño, as chuvas podem reduzir até 30% no Sudeste, exigindo o uso de térmicas e aumentando custos. Já em anos de La Niña, o aumento das chuvas ajuda a manter os reservatórios.
Fatores como reservatórios grandes garantem uma energia firme, regulando flutuações entre cheias e secas. Ainda assim, eventos climáticos como o El Niño podem reduzir as chuvas em até 30% no Sudeste, impactando diretamente sua conta de luz com riscos de escassez e aumentos de preço em 10-20%.
Embora a hidrelétrica seja uma opção limpa, sua vulnerabilidade ao clima destaca a importância de integrar fontes como solar e eólica para um sistema mais resiliente.
Quais são os principais tipos de hidrelétricas?
Existem 5 tipos principais de usinas hidrelétricas:
- Hidrelétricas com Reservatório (UHEs grandes, como Itaipu): Têm capacidade superior a 30 MW, com grandes reservatórios que permitem armazenar água e regular o fluxo ao longo do ano
- Hidrelétricas a fio d'água (como Belo Monte): Operam sem grande armazenamento, usando o fluxo natural do rio, com menor impacto ambiental mas maior dependência do regime de chuvas
- Hidrelétricas reversíveis (ex.: Furnas): Funcionam como baterias, bombeando água de volta ao reservatório em horários de energia barata para gerar em momentos de maior demanda
- Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs): Usinas de 5 MW a 30 MW, com menor impacto ambiental e importante papel no desenvolvimento regional
- Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGH): As menores, com menos de 5 MW, ideais para atendimento local e comunidades isoladas
Conhecer esses tipos revela trade-offs claros: usinas com reservatórios proporcionam estabilidade, mas a custos ambientais elevados, enquanto opções como PCHs e fio d'água são mais locais e ágeis, influenciando decisões por um mix de fontes para evitar picos de preço.
Mas as hidrelétricas são renováveis mesmo? Elas poluem?
A energia hidrelétrica carrega o rótulo de "renovável" por uma razão simples: ela aproveita o ciclo natural da água, um recurso que se renova constantemente. Mas quando falamos de poluição, a história fica mais complexa e surpreendente.
Quando construímos uma hidrelétrica, inundamos vastas áreas de vegetação e solo. Essa matéria orgânica, agora submersa, começa a se decompor lentamente. Como se não bastasse, os rios continuam trazendo mais material orgânico, alimentando um ciclo contínuo de decomposição.
Esse processo libera dois gases principais:
- Metano (CH₄): um vilão silencioso 25 vezes mais potente que o CO₂ no aquecimento global. Aparece quando a decomposição acontece sem oxigênio
- Dióxido de carbono (CO₂): liberado tanto pela decomposição da biomassa quanto pela respiração de microrganismos que se alimentam desse material orgânico.
Para entender o tamanho do impacto, os cientistas usam uma medida chamada gCO₂e/kWh - basicamente, quanto CO₂ equivalente é emitido para cada unidade de energia gerada. Vamos aos números:
- Hidrelétricas tropicais: 20-200 gCO₂e/kWh
- Usinas a carvão: 800-1.000 gCO₂e/kWh
- Usinas a óleo: 700 gCO₂e/kWh
Mas nem todas as hidrelétricas são iguais. Há 5 fatores principais que determinam o quanto elas poluem:
- Tamanho do reservatório: Quanto maior a área alagada, mais matéria orgânica fica submersa, resultando em mais decomposição e emissões.
- Profundidade da água: Águas mais rasas tendem a emitir mais metano porque têm menos pressão e mais temperatura, acelerando a decomposição.
- Temperatura local: Climas mais quentes aceleram a decomposição da matéria orgânica, aumentando significativamente as emissões de gases.
- Quantidade de vegetação submersa: Mais biomassa submersa significa mais material disponível para decomposição e, consequentemente, mais emissões.
- Tempo de operação: As emissões são mais intensas nos primeiros anos após o alagamento e tendem a diminuir conforme a matéria orgânica original se decompõe.
Mesmo com essas emissões, as hidrelétricas continuam significativamente mais limpas que as fontes fósseis, emitindo cerca de 90% menos gases de efeito estufa. Por isso, alternativas como usinas a fio d'água, com reservatórios menores, ganham destaque por seu impacto ambiental reduzido.
Como se tornou tão dominante?
A energia hidrelétrica, apesar de parecer uma tecnologia moderna, tem uma história centenária no Brasil. A primeira usina hidrelétrica brasileira foi instalada em 1883 no Ribeirão do Inferno, afluente do Rio Jequitinhonha (MG). Foi a entrada do país na era da hidroeletricidade.
No entanto, foi apenas no início do século XX que essa fonte começou a se expandir significativamente, impulsionada por:
- Abundância de recursos hídricos no território brasileiro
- Relevo favorável para construção de reservatórios
- Política desenvolvimentista do governo Vargas
- Crescente industrialização do país
Essa expansão barata em épocas chuvosas impulsionou o crescimento econômico, mas também criou fragilidades durante secas, elevando custos e demandando fontes alternativas para sustentar o suprimento.
Nos últimos anos, porém, a geração hidrelétrica se estabilizou em torno de 350–450 TWh/ano, como mostra o gráfico abaixo. Isso reflete uma fonte já madura, cuja expansão perdeu ritmo e abriu espaço para o avanço de alternativas como solar e eólica.

Onde a energia hidrelétrica é mais usada no Brasil?
A geração hidrelétrica brasileira é altamente concentrada em poucos estados. Apenas cinco (Pará, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Rondônia) somam mais de 60% da potência instalada. O Pará, sozinho, lidera com 22,4 GW, reforçando a concentração regional da capacidade.

Com o panorama nacional atual claro devemos nos perguntas por que estamos reduzindo de investir nessa fonte de geração.
Se ela é tão boa, por que paramos de construir?
Apesar das vantagens, o ritmo de novas hidrelétricas caiu. A razão é um conjunto de freios ambientais, sociais, econômicos e geográficos que ficaram mais claros com o tempo.
Ambientalmente, barrar um rio não é neutro. A floresta vira lago, a ictiofauna muda e os reservatórios podem emitir GEE pela decomposição orgânica. Em áreas sensíveis, o custo ambiental supera o benefício energético.
- Alagamento de grandes áreas e alteração do curso natural dos rios
- Perda de habitats e risco a espécies migratórias
- Emissões de GEE em reservatórios tropicais
No social, o impacto deixou de ser colateral para ser central. Realocar famílias, muitas vezes comunidades tradicionais e povos indígenas ,implica perdas materiais e culturais difíceis de mitigar.
- Deslocamento forçado e conflitos fundiários
- Dificuldade de compensações justas e duradouras
Economicamente, projetos viraram maratonas: Investimento bilionário, obras longas e retorno dilatado. Quando comparadas a eólicas/solares rápidas e modulares, a conta fecha com mais dificuldade.
- Prazo de implantação de 8–12 anos em grandes obras
- Custos crescentes com licenciamento e mitigação socioambiental
Por fim, o mapa físico mudou. Os melhores sítios próximos à carga já foram usados. O que resta tende a estar longe e exigir transmissão cara e demorada.
- Potenciais remanescentes distantes dos centros consumidores, encarecendo o custo de transporte na
- Dependência de novas linhas de transmissão de longa distância
Essa desaceleração evita impactos como alagamentos massivos, mas eleva custos de manutenção em usinas antigas, podendo aumentar sua conta em 10-15% sem modernizações rápidas. Esses riscos ambientais, inclusive, geram judicializações e atrasos de anos, elevando custos finais em até 20% e incentivando opções com mais mix renovável para evitar sobrecargas tarifárias.
Com as barreiras claras, surge o dilema de como manter o sistema rodando sem depender de novas mega hidrelétricas.
E agora, qual é a alternativa?
Enquanto isso, solar e eólica ficaram baratas e ágeis de implantar, com menor atrito social. O papel da hidro muda: menos expansão greenfield, mais modernização e projetos menores (PCHs) onde fizer sentido.
- Substituição de parte da expansão por fontes modulares (solar/eólica)
- Repotenciação e automação de usinas existentes
- Seleção cirúrgica de PCHs com baixo impacto
No cotidiano, mais solar e eólica moderam preços diurnos e noturnos, com a hidrelétrica atuando como balanceador, reduzindo riscos de picos tarifários.
Com essas alternativas em vista, surge a dúvida: como será o mix energético nos próximos anos?
O que podemos esperar para o futuro?
O sistema caminha para uma combinação inteligente de fontes. A hidro segue como espinha dorsal flexível: armazena água quando há sol e vento sobrando e gera quando essas fontes variam.
- Modernização para ganhar eficiência e flexibilidade operativa
- Integração com renováveis variáveis e armazenamento
- Papel de “bateria verde” para estabilizar a rede
Perguntas frequentes (FAQ)
Sim, em reservatórios tropicais há emissões pela decomposição da biomassa, mas ainda muito inferiores às de térmicas a carvão. Há manejo e estudos para mitigá-las.
Hidro doméstica só faz sentido se houver queda d’água constante na propriedade (micro ou pico-hidro). Para a maioria das pessoas, solar no telhado é mais prático.
Hidro firme ajuda a segurar preços. Em períodos de seca, térmicas mais caras são acionadas e as bandeiras tarifárias sobem.
Não. Existem usinas a fio d’água, que desviam parte do rio sem formar grandes lagos. Impactam menos o território, mas dependem mais da vazão do rio.
Sim. Repotenciação (troca de turbinas e geradores) aumenta a eficiência sem novos barramentos.
Não necessariamente. Elas emitem menos que fósseis, mas em áreas tropicais podem liberar metano em quantidades relevantes. O impacto depende da localização, do tipo de usina e do tamanho do reservatório.
O país tem rios abundantes e relevo favorável, o que tornou essa fonte barata e viável por décadas. Foi o motor da industrialização, mas hoje precisa dividir espaço com solar e eólica.
A PCH (Pequena Central Hidrelétrica) tem potência entre 5 e 30 MW e reservatórios menores. Seu impacto ambiental e social costuma ser menor que o de grandes usinas.
Sim. Alterações no fluxo afetam ecossistemas aquáticos, especialmente espécies migratórias. Existem tecnologias de mitigação (como escadas para peixes), mas o impacto nunca é totalmente eliminado.
Sim, em projetos reversíveis. Neles, a água é bombeada de volta ao reservatório em horários de baixa demanda para gerar energia nos horários de pico.
Em geral, não. Os melhores locais já foram ocupados. Hoje a tendência é modernizar usinas existentes e apostar em fontes modulares como solar e eólica.
A geração cai e o sistema precisa acionar térmicas, que são mais caras e poluentes. Isso costuma elevar a tarifa de energia em até 10–20%.
Referências
📊 Referências:
- EPE — Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2024 — Tabela 2.3 ("Hidráulica (i)")
- ANEEL — SIGEL / Banco de Informações de Geração — Potência instalada por UF (MW)
- Hidrelétrica - foto por Tejj — Imagem de capa