Mercado Cativo de energia: o que é, vantagens e limitações
Guia prático das bandeiras tarifárias: valores oficiais, quando se aplicam, como aparecem na fatura e como reduzir o impacto na sua conta de luz.

Em um país onde a conta de luz pesa diretamente no orçamento de milhões de famílias, o mercado cativo não é apenas uma forma de contratação: ele é a base do fornecimento de energia para mais de 80 milhões de unidades consumidoras (majoritariamente residenciais).
Em termos simples, o mercado cativo é o modelo em que o consumidor compra toda a sua energia diretamente da distribuidora local, pagando uma tarifa regulada pela ANEEL, sem possibilidade de negociar preços ou escolher fornecedores.
Compreender como ele funciona significa entender por que pagamos determinado valor, quais proteções existem e quais limitações ainda impedem a livre escolha do consumidor.
Nesse cenário, é essencial diferenciar o mercado cativo do mercado livre, dois modelos que convivem e moldam o presente e o futuro da energia no Brasil.
O que é mercado cativo?
Definição simples
O mercado cativo é o ambiente de contratação de energia em que o consumidor não escolhe de quem compra a eletricidade. Toda a energia é adquirida da distribuidora local, que atua como monopólio natural dentro de sua área de concessão.
As tarifas são homologadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e definidas em ciclos tarifários anuais, com revisões periódicas a cada 4 ou 5 anos.
Mais de 80% dos consumidores brasileiros, especialmente os do Grupo B (baixa tensão, residenciais e pequenos comércios), estão enquadrados neste modelo. Em 2024, isso representava mais de 80 milhões de unidades consumidoras e cerca de 35% do consumo total de eletricidade no país.
Origem e regulamentação
O modelo surgiu com a reestruturação do setor elétrico nos anos 1990, quando o Estado brasileiro decidiu separar geração, transmissão e distribuição de energia.
Linha do tempo da origem e regulação do mercado cativo:
- Estrutura verticalizadaAntes de 1990
- Empresas estatais controlavam geração, transmissão e distribuição
- Tarifas definidas centralmente, sem regulação econômica moderna
ResultadosConsumo atendido de forma centralizada, sem incentivo à eficiência ou concorrência
- Início da reestruturação1990–2000
- Início da reestruturação e privatizações
- 1996: criação da ANEEL para regular tarifas e fiscalizar qualidade
ResultadosCriação de um órgão regulador independente e início da modernização do setor
- Consolidação do modelo2000–2010
- 2004: criação da CCEE para organizar leilões de compra de energia
- Consolidação do modelo de leilões regulados e introdução de encargos setoriais (CCC, CDE, Proinfa)
ResultadosGarantia de suprimento para o mercado cativo e inclusão de custos de políticas públicas na tarifa
- Revisões periódicas2010–2020
- Revisões periódicas de tarifas a cada 4–5 anos e reajustes anuais homologados
- Avanços em indicadores de qualidade (DEC e FEC)
ResultadosMaior previsibilidade tarifária e melhoria na qualidade do fornecimento
- Fiscalização contínua2020 em diante
- Fiscalização contínua pela ANEEL com foco em qualidade e equilíbrio tarifário
- Debates sobre abertura gradual do mercado para consumidores residenciais
ResultadosConsumidores começam a se preparar para a possibilidade de migrar ao mercado livre
Como funciona o mercado cativo
Distribuidoras e consumidores do Grupo B
No mercado cativo, os consumidores atendidos são, em sua maioria, do Grupo B: unidades conectadas em baixa tensão. Isso inclui residências, pequenos comércios, serviços e propriedades rurais de menor porte.
Esses consumidores não podem escolher seu fornecedor: estão vinculados obrigatoriamente à distribuidora que possui a concessão de sua área geográfica. Cada distribuidora é responsável por construir, operar e manter a rede elétrica local, garantindo o fornecimento a todos os clientes da sua região. O Brasil possui hoje mais de 50 distribuidoras.
Estrutura de custos
As tarifas do mercado cativo são definidas e homologadas pela ANEEL. O cálculo considera:
- Energia comprada em leilões regulados: representa entre 30% e 40% da conta.
- Transporte e distribuição: custos com a rede elétrica (linhas, transformadores, manutenção), em torno de 20% a 25% da fatura.
- Encargos setoriais: valores destinados a políticas públicas (como subsídios para fontes incentivadas, CDE, Proinfa), variando de 10% a 15%.
- Impostos: ICMS, PIS e Cofins, que em alguns estados podem ultrapassar 30% do valor final.
Além desses itens, existe também o sistema de bandeiras tarifárias, que ajusta mensalmente o valor da conta conforme as condições de geração elétrica.
Essa estrutura explica por que a tarifa cativa é considerada “padrão”: o consumidor não negocia preços, mas paga uma composição regulada e transparente, que reflete tanto custos de operação quanto políticas públicas do setor elétrico.
Vantagens do mercado cativo
Muitos consumidores permanecem no mercado cativo porque encontram vantagens exclusivas desse ambiente regulado. Entre elas, destacam-se aspectos de segurança, simplicidade e políticas públicas que garantem previsibilidade no custo da energia.
Tarifa homologada pela ANEEL
Reajustes anuais e revisões periódicas transparentes, sem exposição direta à volatilidade de mercado.
Obrigação de suprimento pela distribuidora
Fornecimento garantido a todos os clientes da área de concessão, sem necessidade de negociação de contratos ou apresentação de garantias.
Modalidades tarifárias reguladas
Acesso a modelos de cobrança definidos pela ANEEL, como a tarifa convencional (valor único por kWh), a tarifa branca (valores diferentes conforme o horário de consumo) e as tarifas horossazonais para alta tensão.
Benefícios sociais
Aplicação da Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) diretamente na fatura, benefício restrito ao mercado cativo.
Regras padronizadas de cobrança e parcelamento
Condições uniformes de aviso, corte, religação e negociação de débitos, que reduzem a incerteza e protegem o consumidor.
Limitações do mercado cativo
As limitações do mercado cativo ajudam a entender por que muitos consumidores e empresas defendem a abertura do mercado. Elas mostram os pontos onde o modelo regulado deixa de oferecer flexibilidade e pode gerar custos adicionais.
Sem escolha de fornecedor
Ausência de concorrência direta limita a inovação e a customização de produtos.
Preço incorpora encargos setoriais
A tarifa embute políticas públicas (CDE, Proinfa, etc.), o que pode torná-la mais alta do que ofertas do livre em momentos de sobra de energia.
Sinal de preço menos granular
As bandeiras tarifárias refletem o custo do sistema, mas não permitem personalização fina por horário (salvo adesão à tarifa branca onde disponível).
Pouca customização
Geralmente não há contratação com lastro renovável dedicado, pacotes 'flat' ou serviços agregados que comercializadoras oferecem no livre.
Dependência dos ciclos regulatórios
Choques de custo (ex.: despacho térmico) chegam via bandeiras e reajustes, com pouca margem de gestão pelo consumidor.
Futuro do mercado cativo no Brasil
Nos últimos anos, a regulação amadureceu e, a partir de diretrizes do MME e estudos da EPE, o governo passou a sinalizar a abertura do varejo: em vez de comprar apenas da distribuidora, consumidores residenciais poderão contratar energia de comercializadoras, mantendo a mesma rede e pagando a TUSD. A ideia é combinar liberdade de escolha e eficiência (com concorrência e ofertas por perfil/horário) com segurança regulatória: a ANEEL define salvaguardas e a CCEE operacionaliza a migração.
Cronograma proposto (atual):
- 01/08/2026 → abertura para consumidores comerciais e industriais de baixa tensão, sempre representados por uma comercializadora varejista.
- 01/12/2027 → abertura para todos os consumidores de baixa tensão, incluindo residenciais.
O mercado cativo continua sendo a espinha dorsal do fornecimento de energia no Brasil, garantindo previsibilidade e proteção a milhões de consumidores. Porém, a abertura em curso trará novas escolhas e responsabilidades. Entender bem as vantagens e limitações desse modelo é fundamental para que cada consumidor esteja preparado para decidir se permanece no cativo ou migra para o livre quando chegar sua vez.
FAQ — Mercado cativo de energia
Todos os consumidores atendidos em baixa tensão (Grupo B: residências, pequenos comércios, serviços e propriedades rurais) e parte dos consumidores de média/alta tensão que não migraram para o mercado livre.
Não. A distribuidora é definida pela área de concessão outorgada pela ANEEL. Cada região tem uma única empresa responsável pela rede.
Consumidores poderão contratar energia de comercializadoras, mantendo o uso da rede da distribuidora e pagando a TUSD. Isso traz liberdade de escolha, mas também maior responsabilidade na gestão de contratos e preços.
Não necessariamente. A tarifa cativa inclui encargos e políticas públicas, o que pode torná‑la menos competitiva em alguns momentos. Porém, em cenários de alta de preços no mercado livre, o cativo pode ser mais estável e previsível.
O mercado cativo é regulado pela ANEEL, com tarifa pública e fornecimento exclusivo da distribuidora. No mercado livre, o consumidor escolhe a comercializadora e negocia preço, prazo e tipo de energia.
Sim, desde que respeitadas as regras definidas pela ANEEL, como prazos de aviso prévio (atualmente 180 dias) e condições de elegibilidade.
A Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) é paga por todos os consumidores, livres ou cativos, para remunerar a distribuidora pelo uso da rede elétrica.