Mercado livre de energia para pequenos consumidores: o que esperar
A MP 1.300 libera consumidores de baixa tensão para escolher seus fornecedores entre 2026 e 2027. Veja como ficam TE e TUSD, formatos de faturamento, expectativas de economia e o papel do Supridor de Última Instância.

1. Antes de tudo o básico
O mercado livre de energia é um ambiente em que o consumidor decide de quem vai comprar a energia diretamente, negociando preço, prazo e fonte com o fornecedor escolhido, enquanto a rede de distribuição continua igual.
Hoje, quem está no chamado ambiente de contratação regulada (o mercado cativo de energia) não escolhe o fornecedor: quem permanece nesse regime continua comprando energia da distribuidora, que adquire em leilões e repassa esse custo na conta.
** Já no mercado livre você poderá escolher o fornecedor da energia, negociar prazo, preço e origem e até buscar fontes renováveis de forma personalizada. No entanto, a rede, os encargos e os impostos continuam regulados e cobrados pela distribuidora, responsável pelo fio, pela manutenção e pelas emergências**.
2. Quando e quem poderá aderir
A Medida Provisória 1.300, editada em maio de 2025, traz o cronograma para abrir o mercado a quem é atendido em baixa tensão. Pelo texto, a escolha do fornecedor de energia será livre para consumidores ligados em tensão abaixo de 2,3 kV, alcançando residências, pequenos comércios, igrejas e oficinas atendidos em baixa tensão.
A abertura ocorrerá em duas fases: em 1º de agosto de 2026 começa a etapa que permite a migração de clientes industriais e comerciais em baixa tensão, enquanto em 1º de dezembro de 2027 o acesso é estendido a todos os demais consumidores, inclusive residenciais. O mesmo texto determina que, até 1º de julho de 2026, deve ocorrer a separação tarifária ou contratual entre a comercialização de energia e a atividade de distribuição, segundo a Medida Provisória nº 1.300/2025.
O Ministério de Minas e Energia divulgou em setembro de 2025 a Portaria nº 862. A Portaria nº 862/2025 abriu consulta pública para discutir as diretrizes da abertura reforçando que, embora o cronograma esteja em lei, muitos detalhes ainda estão em debate, conforme a Portaria MME nº 862/2025.
3. O que muda e o que continua igual
A mudança principal é que quem passa a vender a energia é o agente escolhido pelo consumidor, em vez da distribuidora local. No mercado livre você negocia com uma comercializadora ou com um gerador, define prazo e forma de reajuste e pode escolher contratos com preços fixos ou indexados. A distribuidora deixa de vender a energia, mas continua cobrando a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), prestando o serviço de leitura, ligação e manutenção e repassando encargos setoriais e impostos.
Na prática, apenas a parcela de energia contratada muda; TUSD, encargos e subsidios (CDE), custos de transmiss\u00e3o e outras despesas permanecem regulados.
Outra mudança diz respeito ao contrato. No ambiente regulado, os contratos são uniformes e definidos pela ANEEL; no livre, cada comercializadora oferece condições próprias: volume de consumo, forma de reajuste e multas em caso de rescisão. Mas atenção: a distribuidora permanece responsável por entregar a energia, atender emergências e corrigir quedas de tensão, como estabelece a Resolução Normativa 1.000 da ANEEL.
4. Quantas contas você receberá?
No mercado livre, a conta de luz pode vir de duas formas:
- Uma fatura só: o comercializador varejista consolida energia, TUSD e encargos em um único boleto. O varejista recolhe a TUSD e os encargos para a distribuidora e cobra tudo de uma vez.
- Duas faturas: a distribuidora cobra TUSD, encargos, impostos e serviços, enquanto a comercializadora fatura a energia negociada.
Ainda não existe um modelo obrigatório. A lei e a portaria deixam espaço para que ANEEL e MME definam as regras de faturamento durante a regulamentação. Portanto, até que a regulamentação seja concluída, é preciso acompanhar as regras que serão publicadas e entender como cada varejista estruturará a cobrança.
5. Economia: o que dá para esperar
Uma das principais razões para a abertura do mercado é a possibilidade de pagar menos pela energia. Porém, é importante ter expectativas realistas. A economia incide apenas sobre a parcela de energia, que representou cerca de 37,93% da receita das distribuidoras em 2024 segundo o informativo tarifário do MME; por isso, mesmo uma queda significativa no preço da energia se traduz em uma economia menor na conta total.
Para dar uma ideia, imagine uma família que pague R$ 400 de conta de luz hoje. Se a energia representa 38% do valor (R$ 152) e o contrato negociado fica 20% mais barato, a fatura total cai para cerca de R$ 370, o que significa uma economia próxima de 7,6%.
Esses números são apenas ilustrativos, pois o preço da energia no mercado livre varia conforme contratos e condições de mercado. Em alguns momentos o preço pode ser mais alto que a tarifa regulada, especialmente em períodos de seca ou alta no preço de combustíveis. Por isso, vale lembrar que contratos com preços indexados acompanham indicadores do mercado, enquanto contratos com preço fixo oferecem previsibilidade mas podem ficar acima do mercado se os preços caírem.
6. E se eu não migrar? O papel do SUI e o cliente cativo
A lei prevê duas situações para quem não migrar. Quem permanece no mercado cativo continua pagando a tarifa regulada e mantendo a relação direta com a distribuidora, com a fatura separando de forma mais clara o custo da energia e do fio.
A segunda situação é ficar sob responsabilidade de um Supridor de Última Instância (SUI). O SUI garante atendimento temporário se a comercializadora falhar ou se o consumidor voltar ao mercado regulado sem contrato, e a Medida Provisória 1.300 determina que até 1º de fevereiro de 2026 o governo regulamente responsáveis, público atendido e condições de suprimento, com autorização e fiscalização da ANEEL.
Portanto, se você não migrar em 2027, continuará comprando energia da distribuidora como hoje. Mesmo que você migre e, por algum motivo, seu contrato termine ou a comercializadora quebre, há uma rede de proteção que evita interrupções, mas envolve tarifas e encargos específicos enquanto o consumidor permanece no SUI. Durante o período em que estiver no SUI, haverá tarifas e encargos específicos, que serão rateados entre os consumidores do mercado livre. Isso evita o risco de ficar sem luz, mas também significa que o preço do SUI pode ser diferente (e possivelmente mais alto) do que o da energia negociada ou do mercado cativo.
7. Riscos e cuidados essenciais
Migrar para o mercado livre envolve oportunidades e responsabilidades. Algumas dicas simples ajudam a tomar uma decisão mais segura:
- Contrato e duração: avalie prazo mínimo, multas e condições de saída antes de assinar. Contratos no mercado livre costumam ter prazo mínimo; se você sair antes do fim, pode haver multa. Leia com atenção e entenda se o valor é proporcional ao tempo restante ou se há período mínimo de permanência.
- Preço fixo ou indexado: entenda se prefere estabilidade tarifária ou acompanhar as variações do PLD. Preços fixos dão estabilidade, mas podem ficar acima do mercado se os preços caírem. Preços indexados acompanham indicadores como o PLD, o que pode levar a flutuações mensais. Não existe um tipo melhor para todos; depende de quanto você tolera variações.
- Quem atende em caso de problema: distribuidora cuida da rede e comercializadora cuida do contrato e da fatura. Confirme com a comercializadora como funciona o atendimento. A distribuidora continua responsável por ligações, manutenção e medição; a comercializadora cuida do contrato de energia. É importante saber qual empresa fatura cada parte e como abrir reclamações.
- Ofertas confusas: desconfie de economia garantida e confira reajustes, multas e obrigações antes de aderir. O mercado livre envolve risco de preço, e o contrato deve ser claro sobre reajustes, multas e direitos. Use sempre fontes oficiais para confirmar datas e regras.
8. FAQ – perguntas rápidas do consumidor
Clientes em baixa tensão (<2,3 kV). Comércio e indústria BT podem migrar a partir de 1º/08/2026; demais, incluindo residências, em 1º/12/2027. Confirme sua tensão na fatura e acompanhe as regras da ANEEL/MME.
Você passa a comprar a energia de um fornecedor escolhido. Rede, TUSD, impostos e serviços seguem com a distribuidora. A cobrança pode ser 1 boleto (via varejista) ou 2 boletos (energia + TUSD). Pergunte qual modelo será usado.
A economia incide só sobre a parcela “energia”, que é parte da conta. Um bom desconto ali vira redução menor no total. Peça simulação com 12 meses de consumo para ver o impacto real antes de decidir.
Sim. Negocie a fonte (solar, eólica etc.) e peça que o contrato traga a origem e como ela será comprovada. Inclua isso por escrito para evitar surpresa depois.
A distribuidora continua responsável por rede, leitura e emergências. A comercializadora cuida do contrato e da fatura da energia. Tenha os contatos salvos e sempre anote o número de protocolo.
Fixo dá previsibilidade; bom para quem evita surpresas. Indexado acompanha o mercado e pode subir ou cair. Escolha pelo seu apetite a risco e compare cenários com seu histórico.
Entra o Supridor de Última Instância (SUI), que garante fornecimento temporário. Não falta luz, mas o preço pode ser diferente (até maior). Planeje a renovação do contrato com antecedência.
Junte 12 faturas, entenda seu consumo, defina se prefere fixo ou indexado, peça no mínimo 3 propostas, leia prazos/multas e confirme se virá 1 ou 2 boletos. Só assine após entender todas as condições.
9. Conclusão: vale a pena?
O mercado livre de energia para pequenos consumidores é um passo importante para oferecer escolha e flexibilidade aos brasileiros atendidos em baixa tensão. A Medida Provisória 1.300 marca 1º de agosto de 2026 como o início da migração de clientes industriais e comerciais em baixa tensão e 1º de dezembro de 2027 como a abertura para todos os demais consumidores, inclusive residenciais. A mesma norma exige regulamentar o Supridor de Última Instância até 1º de fevereiro de 2026 e separar as tarifas de energia e distribuição até 1º de julho de 2026.
Há ainda muitos pontos em aberto: a Portaria 862/2025 coloca em consulta pública as regras detalhadas. Isso significa que a consulta pública ainda oferece tempo para debate e ajustes antes da regulamentação final. O consumidor que pretende migrar deve acompanhar as próximas regulamentações, entender as ofertas de comercializadores e avaliar seu perfil de consumo.
Para quem pensa apenas na economia, é fundamental lembrar que a energia corresponde apenas a uma parte da conta total e representou cerca de 38% da receita das distribuidoras em 2024, segundo o informativo tarifário do MME. A economia real dependerá do desconto obtido nessa parcela, do comportamento dos preços no mercado e dos encargos que serão criados. Mais do que buscar o menor preço, pode ser interessante avaliar contratos que ofereçam estabilidade ou que combinem flexibilidade e previsibilidade.
Em resumo, o mercado livre de energia para pequenos consumidores é uma mudança que pretende dar liberdade de escolha e estimular a concorrência, desde que o consumidor planeje a migração com calma. Ainda há incertezas e discussões em andamento, mas o cronograma está posto em lei e a transição deve ocorrer nos próximos anos. Aproveitar essa oportunidade envolve se informar, entender os riscos e planejar com calma. E, enquanto as regras finais não saem, você pode acompanhar os canais oficiais da ANEEL e do Ministério de Minas e Energia para tomar a melhor decisão quando a hora chegar.
Referências
- Resolução Normativa ANEEL nº 1000/2021 — consolida direitos e deveres do consumidor no mercado cativo e livre Resolução Normativa ANEEL nº 1.000/2021
- Informativo Tarifário do Setor Elétrico 2024 — Ministério de Minas e Energia Informativo Tarifário do Setor Elétrico 2024 (MME)
- Medida Provisória nº 1.300/2025 — cronograma de abertura do mercado livre Medida Provisória nº 1.300/2025
- Portaria MME nº 862/2025 — diretrizes para o Supridor de Última Instância Portaria MME nº 862/2025